segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Parto da Juliana - Nascimento do Kauê em 27/12/2013

Presente da doula Ana Paula, que estava viajando e me pediu para acompanhar a Juliana caso ela entrasse em trabalho de parto antes dela voltar. Lá fui eu, saindo de outro parto lindo no hospital, chega a Ju no quarto ao lado, eu chego toda feliz como quem acabe de ver alguém nascer, e encontro Juliana em plena conexão com o Gilson, e com o seu corpo. Uau! Que cena linda ao entrar no quarto, que clima de partaço! E não deu outra... Ao nascer Kauê foi presenteado pela mãe. Vejam aí!

Relato da Juliana:

Parto do Kauê

Gravidez/parto/vida regressa-presente-futura!

Acredito, pela minha experiência e pelos relatos que li e ouvi ao longo da minha vida, que o parto ou como se deixa vir à luz um filho é um trajeto que reflete o modo de vida, o modo de pensar o mundo, o modo de encarar as relações enfim, o modo como se sente o mundo. O parto condensa tudo isso, aglutina nosso ser-seres e toda a multidão que nos habita para que daí nasça uma mãe.
            O Kauê, como maior parte dos acontecimentos significativos da minha vida, veio sem um planejamento fechado, veio num sopro de vontade e desejo que passam como uma brisa mas que de tão verdadeiro se materializa. Estávamos no Rio de Janeiro porque fui dançar lá em Março de 2013, logo após ter me exonerado de um cargo público e concursado em Belo Horizonte para me arriscar a abrir um “negócio” autônomo na nossa casa: essa seria nossa residência enquanto uma Kasa de acontecimentos culturais ligados às Artes em Encontros e “aulas” nestes campos de conhecimentos e em Humanidades. No dia em que voltaríamos do Rio pra BH o carro quebrou. Resolvemos aproveitar o dia na praia enquanto o carro ficava na oficina o que adiou nossa volta para o outro dia. Olhando o mar, conversávamos sobre a vida, sobre desejos, sonhos, projetos (já que agora tinha abandonado o emprego) e comentamos sobre ter um filho em um futuro breve como no próximo ano ou no outro impulsionado pela nossa ideia de trabalho, casa, liberdade.
Bom, daí, depois de um mês descobrimos que estávamos grávidos mesmo não tendo tentado ou estado com foco nisso, foi de fato uma surpresa das mais encantadoras que tivemos e que enfim, já começou a mudar nossa vida “acelerando” nossa volta pra Uberlândia pois já não estávamos suportando viver em BH.
Descrevi esse fato pois minha vida flui muito por esse modo, riscos e entregas, me lanço em algo aparentemente desconhecido, arriscado mas cheio de desejo, amor e fé e logo as coisas se ajeitam sem muito esforço ou planejamento rígido. Então a chegada do Kauê tanto na nossa barriga quanto no mundo é um reflexo deste meu modo de viver, de arriscar, de desejar o desconhecido, o imponderado, o imprevisível.

Gestando e mudando ou mu-dançando
            Fizemos o primeiro trimestre do pré-natal em BH no Hospital Público Sofia Feldman pois lá é o único hospital do SUS do Brasil que encampa o pensamento e a prática do parto humanizado, tendo uma Casa de Parto e acolhida ao lado do Hospital. Fomos acompanhados por uma enfermeira obstetra muito competente. Ao voltar pra Uberlândia fomos pra Dra. Silvia que era minha ginecologista e sabia que ela estava envolvida com a causa do Parto Humanizado e sua abordagem de vida.


Minha gravidez foi muito tranquila, sem nenhum percalço só de ventos anunciando e proclamando mudanças em ventanias para cuja as forças nos colocamos à disposição para mais potência de vida: mudança de cidade, depois dentro da cidade, em um mês, mudança de casa, mudança de trabalho (os dois, pedimos demissão) e de natureza de trabalho (fixo-concursado para instável-autônomo).
Sim, as mudanças causaram-nos certa instabilidade mas nada que não tivéssemos consciência e que por isso, selava nossa conduta de amor, de entrega e de fé, acima de tudo. Muita meditação, música, silêncios, longas conversas a dois, eu e Gilson, sobre o mundo, a vida, os desejos, a crença, o cultivo e de como o Kauê foi impulsionador deste processo todo alinhavado por amor, alegria e serenidade. Uma vida à três faria ainda maior o terreno de cultivo dessa existência que nos propomos.
Tivemos uma gravidez tranquila sem nenhuma intercorrência. Tivemos o prazer e a sorte de ao retornarmos à Uberlândia, encontrarmos um grupo esplêndido chamado Bom Parto que duas vezes por mês se reúne em um local público e gratuito da cidade a fim de esclarecer questões acerca do Parto e encorajar famílias a encarar o Parto Humanizado ou Ativo que é o que prefiro adotar. Este grupo foi de muita relevância em nossa vida de casal, pais e cidadãos que desejam cuidar de um assunto tão valioso para a vida social de um país como o do Parto e o que isso implica em termos de pensar a vida, o mundo e o laço social. Tenho plena gratidão por ter feito parte do Bom Parto, um lugar de afeto e carinho com com gesta vidas...
Bom, o Kauê se encontrava viradinho, sentado como Buda desde sempre. Chegada a 33a. Semana fomos na Dra. Luanda e ela nos alertou quanto à questões relacionadas a um bebê pélvico e suas implicações. Nos mostrou um vídeo de um parto pélvico dentro d'água que confesso ter ficado impressionada pelo fato de que não se pode tocar nem intervir no bebê e a depender das contrações o bebê poderia ficar com o corpo pra fora e cabeçinha pra dentro durante vários minutos o que demanda da mãe muita tranquilidade e paciência. Me vi despreparada para tal situação e por conseguinte, não me via fazendo um parto pélvico naquele momento principalmente porque era meu primeiro filho e não havia dentre as médicas uma que já tivesse feito um parto pélvico. Desse modo, nos restava as duas alternativas: fazer exercícios, posturas e deslocamentos para uma virada “espontânea” do Kauê; fazermos uma Versão Cefálica Externa, prática já habitual entre as médicas Luanda e Silvia ou esperar o Kauê virar até na última hora e ficar à mercê de uma cesárea.
Fiquei duas semanas fazendo os exercícios: ficando em posturas invertidas durante 20min de duas em duas horas; engatinhando pela casa de duas a três vezes por dia; nadando de vez em quando, andando e pulando na água. Passei por momentos de obstinação, determinação, foco, desfoco, relaxamento e ao fim destas semanas quando senti que ele não tinha virado fui baixando minha expectativa e entregando, me retirando um pouco do controle já que havia feito tudo na crença de que a melhor opção é a que o real apresenta mesmo às vezes sendo-nos adversa e desconfortável, cria inevitavelmente no desconhecido e no imponderável naquilo que não controlamos. Passei sim por fases de angústia e ansiedade ao longo destas semanas pois me deparei de frente com medos memoráveis, angústias que herdei psiquicamente de minha família, meus ancestrais. E por isso mesmo desejei mais do que nunca o parto ativo para que eu me colocasse frente a tudo isso e me posicionasse dialogando, acolhendo e incluindo todos estes medos, sombras e incômodos que até então como filha não havia conseguido superar. E um encontro com a doula Ana Paula que foi-nos tão generosa e doce em sua jornada de três encontros que tivemos um dos textos que li havia uma frase na qual ancorei minha mente e meu coração que dizia: “Para nascer um mãe há que deixar morrer uma filha.” Isso fez um sentido incrível pra mim naquele momento e tomei essas palavras como meu corpo e meu espírito deixando vir à tona tudo que levasse a desconstruir minha identidade de filha. E uma das coisas foi conversar muito com meu companheiro Gilson que estuda e vive a psicanálise e sabe com muito primor e cuidado, levar alguém à berlinda ao desnudar nosso discurso e colocando-nos de frente com os medos, fantasmas e sombras de nossa existência e relação com o passado e todas as marcas à que nos sujeitamos. Nessas semanas me afastei dos meus pais, principalmente de minha mãe que apesar de amar e admirar, representava pra mim naquele momento um lugar de insegurança onde sobressaia a palavra “perigo, tragédia, medo” e é claro que ela não emanava isso por mal mas porque carregava essa energia de nossa história familiar, provavelmente de minha avó e seus ancestrais. E por isso eu precisava naquele momento “matar” meu devir-filha pra que abrisse um espaço largo e vazio, profundo e claro para a mãe que iria nascer em mim junto com a chegada do Kauê. Chegada a 37a. semana em que confirmamos que o Kauê continuava sentado, saí da consulta bem triste e chorosa pois a Silvia, médica e muito sábia, me colocou questões acerca do que seria “estar sentado” no ponto de vista de ser um reflexo de algo da mãe. E de fato, antes da última consulta para decidir a Versão refleti sobre o “estar sentado” e o quanto eu estava implicada nisso: enquanto engatinhava pela casa e nadava veio-me no pensamento que sentia que durante a gravidez, eu que sou uma bailarina que trabalha com movimento por conta das mudanças de cidade e casa, fiquei muito sentada, e também um pouco passiva demais e que gostaria de ter dançado e mexido mais com meu pequeno na barriga. A partir deste dia, colocava músicas na sala em alto volume e dançava com ele e cantava na esperança de que ele virasse...
Nas longas conversas que Gilson e eu tivemos, chegamos à uma conclusão que muitas vezes vai de encontro ou vai contra algumas visões acerca do parto e da condição e relação mãe-bebê que algumas pessoas têm, inclusive do Grupo Bom Parto: a questão a que chegamos concerne à responsabilidade que se coloca muitas vezes na criança enquanto um ser que já faz escolhas e que transparece em frases como:
      O bebê é que sabe quando vai nascer e como...
      O bebê é que sabe que dia ele estará pronto...
Na verdade, acredito que o bebê possui sim um entendimento porque “conversa” com a mãe por vias instintivas, via corpo, via sentidos e outras espécies de comunicação. Mas o que ficou claro pra nós, de acordo com nossa história e experiência, é que nada acontece sem o consentimento ou vontade da mãe mesmo que a mãe não tenha consciência dessa vontade...quem escolhe o dia do nascimento é a mãe, pautada pela conversa que ela faz dia a dia com o bebê e detecta o dia que ele está pronto e sabe o que ele quer e se lança, mesmo não estando consciente, àquilo que ela, mãe, sabe que é o melhor pra ela e por conseguinte pro bebê. Constatamos que o bebê não é um ser autônomo que escolhe tudo, e sim ele indica, envia e recebe sinais à mãe e juntos percebem a hora certa (embora não seja consciente pra mãe) e assim, todo o resto é a mãe quem faz, é a mãe quem dá a luz, é a mãe que cria um período “expulsivo”, é ação dela, nossa, somos nós quem “expulsamos” ou fazemos com que o bebê saia de nós para ser do mundo. Isso é parto ativo! E é isso que lemos nas abordagens também do livro Parto Ativo que é uma ação plena da mãe e que não significa uma ação pautada em controle, em planejamento rígido mas sim em uma ação que exige entrega, crença em si, crença no outro (tanto no bebê, quanto na natureza, Deus e qual nome mais for necessário) e principalmente no desejo de levar às últimas consequências nosso próprio e caro desejo de ser mãe.
Bom, aí estava um desafio pra mim; em que medida seria minha ação, uma intervenção ao curso natural e espontâneo de nosso bebê? O que seria melhor: deixá-lo como está? Ou pensar que devemos virá-lo já que este seria o modo mais suave e tranquilo dele vir ao mundo? Deixar correr por si ou agir mais diretamente?

Verter – versão -  me virar de cabeça pra baixo!
Marcamos a Versão e junto com ela escrevi, ouvi canções e mergulhei num imaginário ao qual gostaria que fosse nosso pano de fundo para a Versão de nosso pequeno, mentalizava uma paisagem no mar com rochedos, ondas e o sol no horizonte; era esse nosso lugar. Disse isso à Ana Doula e ela no momento da Versão me lembrava do happy place! E tudo isso minha companheira fiel e amorosa foi minha respiração: Zazen! Minha prática espiritual há 7 anos, respirar, respirar, pensamentos-nuvem, emoções-rio...deixar vir, deixar ir e centrar na respiração, inspirar e expirar até que isso vire uma coisa só e eu me torne uma com aquilo que faço: equanimidade, impermanência, vacuidade, tranquilidade (pela fé no Caminho e no Dharma), alegria (por estar viva e com seu pai e com você, Kauê; pela imagem na praia, pelas canções que internalizei) concentração (na respiração e nas imagens-canções), perseverança (pela crença no Caminho), atenção plena (na respiração) e investigação dos fenômenos (auto-conhecimento e enfrentamentos de meu próprio ser que realizei nesta etapa) e daí os 7 fatores do despertar com você, Kauê... Que beleza! E você, Kauê, na segunda tentativa virou de cabeça pra baixo como combinamos! Em 20 min correu a Versão em plena paz e tranquilidade e com um leve friozinho na barriga que considero natural também.
Passada a versão, com plena gratidão por tudo ter saído como desejamos e de modo suave, preparei uma apresentação de dança com uma das minhas melhores amigas que também estava grávida com dois meses a menos que eu. Dançamos, respiramos e cantamos juntas, apresentando em um teatro da cidade, com casa cheia (100 lugares) numa celebração de vidas e de histórias e uma noite que celebrava os 20 anos daquela casa-teatro da cidade (chamado Palco de Arte que é um útero de produção e geração de cultura e resistência na cidade de Uberlândia e ao qual reverencio e me orgulho de fazer parte, ora como bailarina, professora e aluna por tanto tempo) o qual é gerido e gestado por minha amiga-fada-mestre Fernanda Bevilaqua que nos abriu espaço naquela noite para compartilharmos nossa dança à 4 corpos ou melhor à 6: “2, 4, 6” foi o nome de nossa dança (mães, bebês e papais) que se mexiam no corpo e na alma de nós duas naquele instante de amor e entrega em um palco junto com a energia de todos que lá estavam.
Gente, conto tudo isso porque acredito plenamente que o Parto não é só aquele instante que começa nas contrações mas é resultante de um processo, de uma gestação e por isso meu relato se apoia mais no que veio antes do que no parto propriamente dito...a criança está a nascer em todo gesto, crença, respiração e ação dos pais e isso se refletirá na hora do nascimento. O parto é uma síntese que aglutina de sentidos e símbolos todo o processo de abordagem da gravidez, da gestação e de toda uma vida dos pais juntos e antes de se conhecerem.

O lugar do nosso parto

Kauê, meu ipê florido, meu rio caudaloso que corre pro Mar:

O lugar do nosso parto é um lugar de imensidão, de serenidade, de força e especialmente
de belezas das tantas dimensões que a Terra - nosso planeta abundante em vidas, e que o Universo, em sua infinitude de Vazio - nos presenteiam em amor e ternura...

transbordantes de um para o outro, de mim pra ti, de ti pra mim...

O lugar do nosso parto e da nossa luz é simples, claro, belo; de cores pastéis, dourado, azul e rosas claro.
O sol de Toscana no campo verde.

Nosso lugar é na praia, na luz dourada da areia que reflete o sol da manhã ou da tarde, enrosado e refletido de azul pérola em nosso entorno;
sobre filetes macios de água das ondas: em espuma, nos fazemos luz!

Nascemos: eu, sua mãe plena e você, meu filho pleno, de maneira harmoniosa com a Terra, com o Infinito azul através do nosso amor.

Dentro de uma foz, em meio às águas do mar, de um lado, com o sal que lhes é peculiar e que nos purifica e do outro lado, as águas doces que nos embalam e nos unem, iremos juntos fazer brotar a vida de um jeito manso, forte, florescente e proliferante de vidas e bênçãos do divino da terra, do fogo, da água e do ar.

Kauê, meu brotinho de jasmim de ternura e bem-querer da mamãe,
Te espero, em seu tempo, em sua harmonia para poder regermos junto os sons, as forças, as cores, os ares em fluxos de energias iluminadas que envolvem e nos envolverão no instante de tempo-parto-vida dilatado em luz, amor e sabedoria em nossa pele e no ar que respiramos.

Kauê, meu amorino, meu raio de sol nascente,
você me faz nova mulher, leva embora a filha muitas vezes, insegura e
traz à tona, emergente, vinda da lava, do lago, da terra e das águas doces, a mãe;
dançante, vibrante, poderosa, harmoniosa e contagiante de sorrisos, chão firme e gestos delicados que já sou!

Passar por um parto ativo é lidar com a beleza de uma vida completamente nova que brota em mim fecundada dentro de um amor intenso e puro, no mar, em Portugal, na minha solidão repleta de intimidade com o mundo com as pessoas e com as belezas que abastecem a vida diária quando se pratica e se tem no Dharma nosso filtro de perceber o mundo, a vida, as coisas. Minha metadinha do Kauê foi gerado também em Portugal, em Lisboa, nas preces em Atibaia, no banho de chá que dei em Buda na festa do Japão, nos origamis de lótus que aprendi em SP, nos Zazens em Bragança, no Rio de Janeiro, nos meus retiros, tanto na vida acadêmica e solitária que vivi em Campinas, quanto em retiros propriamente ditos, um em Pedra Bela e o outro em Viamão, no Rio Grande do Sul...no tempo da minha varanda/cobertura no apartamento que morei em 2011, sozinha, feliz, independente  forte em cada prato cozinhado com amor, em cada canto decorado e pensado no Vazio, no arranjo de flor do Zazenkai em Campinas...quanta beleza o Kauê carrega, quanto amor e crença na vida, no Dharma, em mim esse pequeno se gera, se nutre e se alimenta...! e tudo isso ao encontro do Gilson, meu amor de amorosidade similar e distinta que me acompanha e me nutre de vida...e que foi capaz de se deixar levar pelo amor mesmo em uma situação aparentemente adversa para engravidarmos sem planejamento. agenda natal-reveillon-Parto -contrações marta graham - desassistido
Quero encarar meus medos de frente, os medos que aprendi pela carga psíquica de minha família  e meus antecedentes: medo da tragédia, de ser aplacada por um mal, por uma doença incurável, por um filho deficiente, e que esconde um medo por ter um Karma ruim o qual foi gerado por uma culpa, uma culpa no passado...quero encarar estes pensamentos de frente e enfrentá-los na respiração do Dharma, na força da luz fornecida por Budas e Bodisatvas que me envolvem a todo tempo e que sei que é possível sentí-los quando canto, quando danço, quando medito, quando respiro na energia acolhedora da atenção plena, junto com todos os seres do Zen e de Buda_/\_ e acima de tudo sei e sinto que com o Kauê dentro de mim minha força e luz se redobram pois é nele que toda minha crença e amor de toda minha vida agora repousa.
Ter um parto ativo é saber o quanto isso poderá ser um momento de beleza, força, segurança, recompensador e livre para mim e para o Kauê e que assegura o Kauê em seu momento de vinda e de mudança de colo (útero para meu colo, meu peito, meu calor daqui de fora).
Ter um parto é aceitar meus medos, minhas aspirações e todo meu ser de dança, música e poesia e todos meus maus hábitos mentais, emocionais que me compõe; é aceitar minhas inseguranças enquanto mãe, esposa e trabalhadora e acolhê-las no meu amor e inclusividade Kshanti _/\_ sabendo que possuo uma força vigorosa que me constitui em minha essência, cultivada na minha solidão e no amor (com todos).
Ao atravessar estes medos e pensamentos ruins quero com isso, me libertar, e libertar também toda minha ancestralidade e o Kauê que será nosso filho e que aprenderá conosco. Quero que o Kauê leia isso um dia e aprenda com sua mãe e seu pai a crer que é na fraqueza que fortalecemos nosso amor em nós mesmos e nos outros...é admitindo nossa fragilidade e acolhendo-a com ternura e coragem é que rompemos o “eu”, o “ego” e tocamos a interdependência, o Vazio e a impermanência...para tocar as Jóias “Mani” no Dharma é preciso ser forte para abraçar nossas fraquezas e ilusões.
Quero ter um parto porque quero perder o medo e acima de tudo porque desejo estar íntima com a beleza que me pertence na pessoinha do Kauê, passando por mim, com muita ou pouca dor, no hospital ou em casa, quero receber meu pequeno na flor do amor e daquilo que em mim, é mais puro, singular e iluminado, como quando canto, danço ou faço poesia...Kauê é meu melhor poema, minha melhor interpretação de um canto sereno, das águas e da beleza...minha melhor dança, meu movimento mais fluido, harmonioso e poético, meu filho é a conjunção das minhas melhores formas, conteúdos e belezas e claro que se tornam potentes junto imprescindivelmente ao Gilson e ao que dele é mais puro, singular e brilhante!!!

Ter um parto também é deixar morrer o parto de minha mãe, o sofrimento (que sei que houve) nesse momento e também deixar morrer as marcas do parto de minha avó quando teve minha mãe...eu fazer um parto é acima de tudo um exercício de criação e recriação que envolve colocar em outro lugar e em outro sentido estes partos anteriores e, de certo modo, limpá-los dentro das águas de energias claras, poderosas e reluzentes que me coabitam e que me compõem enquanto mulher que sou e mãe que serei!

Toda vez que vier um pensamento de tragédia com o Kauê irei visualizar a luz Búdica e dizer Namu Amida Butsu, Aham Brahman: Sereno cultivo, Maravilhosa fruição _/\_

Ilimitada é a auréola da Libertação!
Foi dito que todos os que são tocados por Sua Luz
Libertam-se do ser e do não-ser.
Tomai refúgio no Equânime Despertar!

As nuvens de Luz são livres como o espaço!
Não são afetadas por nenhum impedimento,
Nada deixa de receber o brilho dessa Luz.
Tomai refúgio no Inefável!



Meu pequeno, passamos o Natal com você dentro da minha barriga e na expectativa...aquele friozinho bom na barriga de será quando você iria chegar, será quando a mamãe te permitiria sair pro mundo...?
Seus avós por parte de pai chegaria em Uberlândia dia 27 à noite.
A data calculada pela médica foi dia 26. A Dra. Silvia dizia da data improvável pro bebê nascer.
E eu sempre repetia “ a data improvável, é o único dia que ele não vai nascer!”
Daí vem você, Kauê, já pra derrubar de alegria todos os argumentos e certezas da mamãe: a data improvável coincidia com a virada da lua cheia pra minguante, também seria o dia em que as duas médicas estariam em Uberlândia, não havia pediatra mas as duas estariam e além disso tudo, era o dia em que os seus avós chegariam do Sul, o que pra mim soava como uma boa ajuda, um bom auxílio nestes primeiros dias de vida e de surpresas boas, estranhas, confusas e cheias de amor com você.
Pensávamos em um parto em casa, mas depois que a Dra. Silvia disse que os partos entre Natal e ano novo haveriam de ser no hospital devido ao acúmulo de partos e às agendas de feriados das médicas obstetras e pediatras, decidi internamente que você chegaria mesmo no hospital. Também porque estávamos num período de mudança, sem funcionária em casa pra ajudar e a casa soava muito grande, ilimitada e difícil pra eu conseguir lidar e gerir a bagunça que estava. Na minha cabeça era um trabalho enorme que eu não teria energia pra cuidar deste preparo da nossa casa ainda em mudança. Esse é um defeito da mamãe: às vezes ela enxerga o ilimitado, o difícil em tudo e com isso carrega uma sensação de incapacidade tamanha é a situação, a coisa, o trabalho...
Ao decidir pelo hospital, coloquei mais uma motivação pra isso: o exercício de que “a nossa casa é onde a gente está”: era necessário fazer com que nosso estado de presença e de plenitude com o presente nos desse o exato sentimento e sentido de intimidade com o mundo e com a realidade independente do lugar. Havíamos de estar ali com você em plena presença, em plena atenção, na entrega a nós dois e ao seu nascimento.
Passamos o dia 25 com seus vovôs daqui e viemos pra casa ao fim do dia. A casa estava meio bagunçada.

O dia improvável = infecção urinária?

Dormimos e na manhã do dia 26 quando acordei me sentia um pouco cansada, com a sensação do corpo de quem vai gripar, meio dolorido e sentindo mais forte uma dorzinha de aperto na bexiga que já havia sentido bem atenuada há uns 4 dias atrás. Imaginava que essa dorzinha era por você ter virado de cabeça pra baixo e assim sua cabecinha pressionava a bexiga da mamãe fazendo doer um pouco. Mas neste dia estava mais forte.
Porque meu corpo estava assim frágil e meio dolorido resolvi voltar pra cama pra dormir um pouco mais e comentei com seu pai que achava que ia gripar porque meu corpo doía um pouco. Nesse momento me passou pela mente: nossa, ainda bem que o Kauê não nasce hoje se não será que eu aguentaria, com esse corpo?”
Olha só pequeno, levantei mais tarde um pouco com as dorzinhas mais intensas e quando fazia xixi, desde a primeira vez do dia, ardia meu canal urinário e da segunda vez quando levantei, ardeu mais ainda. Daí, contei pro seu pai que estava desconfiada de uma infecção urinária reunindo a dor na bexiga, a ardência ao urinar e o corpo ruim. Só que depois de alguns minutos notei que havia saído um pouco de sangue então resolvemos ligar pra Dra. Silvia.
Ela estava em um trabalho de parto no hospital e ao ouvir nosso relato disse que poderia sim ser infecção e nos sugeriu que fôssemos para o pronto-socorro que ela iria lá me ver e colher o exame.
Nisso já era hora do almoço e eu nem estava com fome. Seu pai disse que faria um almoço e depois com calma iríamos pro hospital. Mas aquela dorzinha estava bem agudinha e o aperto na bexiga incomodando e o corpo meio ruim, dolorido. Feito o almoço seu pai almoçou praticamente sozinho pois a mamãe olhava a comida e não tinha apetite: comi um pouquinho e me arrumei para ir pro hospital. Chegando lá no pronto-socorro, entramos na fila, fizemos os cadastros de entrada e ficamos esperando pela Dra. Silvia que demorou um tempinho pra chegar, uma meia-hora. Neste meio tempo a dorzinha tinha se intensificado e a mamãe já estava meio aturdida com a dor e tinha necessidade de se curvar quando ela vinha, tinha vontade de fazer uma das «contrações da Marta Graham» que é uma dançarina americana quem inventou uma dança moderna cuja a movimentação a mamãe gosta muito! Era uma 15hrs de uma sexta-feira. Encontramos neste ínterim com a Lili, uma colega da mamãe, no pronto-socorro em um momento que uma lágrima escorreu dos meus olhos na hora da dorzinha que já virava dor...falei pra ela que achava que estava com infecção urinária e que estava doendo bastante e ela comentou que ao tomar um remédio passaria logo e que ela já havia tido também. Passado um minuto chega, finalmente, a Dra. Silvia com a carinha mais boa e tranquila, que beleza...Entramos para uma sala, discorria tudo pra ela quando veio a dor e eu tive que me curvar em pé apoiada na cama através da contração da Marta Graham. Ao me ver assim, a Dra. Silvia deu um sorriso e disse: - “ Ju, você tem dúvidas que você está em trabalho de parto?” E eu meio surpresa mas também concentrada naquela dor e entregue àquela condição sorri feliz por saber que você, meu filho, estava chegando, ai que alegria, ai que euforia, ai que delícia...disse pra Dra. Silvia:
      E olha só, hoje é dia 26, a data improvável!!
Há uma semana atrás ela tinha lançado que você nasceria no dia 06 de Janeiro!
Bom, mesmo assim ela quis colher o exame e fazer o tratamento para o estreptococos que se faz no dia do trabalho de parto: colocou um sôro no meu braço e ficamos em uma sala junto com mais uma senhora e uma moça na maca durante uma hora mais ou menos ali e as contrações vindo de maneira mais intensa e em intervalos menores e o papai lindo e forte ao meu lado. As duas na maca olhavam pra mim quando vinham as dores e diziam:
             Menina, mas que dor é essa né, ah você quer mesmo parto normal? Isso dói muito e cesariana, blablá...
A mamãe voltava da contração bem, sorria e dizia:
             Nada! É isso mesmo, é assim mesmo, é isso que quero!
Quando era umas 17hrs e pouquinho a Dra. Silvia  retornou do parto que ela assistia e veio me ver. Disse que não estava com infecção, mediu minha dilatação que já estava com 1cm. Recomendou-nos que voltássemos pra casa, que eu tomasse um banho ficasse tranquila e descansasse e quando fosse a hora voltaria. Ah, nossa doula Ana Paula já estava viajando e nossa doula back-up que era a Kelly estava no trabalho de parto com a Silvia: ou seja, estávamos sem doula! Bom também!
Quando saímos do hospital, as contrações chegavam em ondas de 7 em 7 min. Entramos no carro e o intervalo diminuiu para 3 min. Ao chegar em casa, entrei no chuveiro e pronto: elas chegavam no intervalo de 1min30s! No meio do banho algo escorregou de dentro com sangue junto.  Gilson lgou pra Silvia já meio ansioso dizendo-lhe que as contrações estavam com esse intervalo de 1min30s e que tinha saído...o tampão! Ela nos sugeriu que voltássemos pro hospital já de mala e cuia. Saímos apressados achando que você, Kauezinho, nasceria ali mesmo em casa ou no trajeto para o hospital...qual o quê, diz o Chico...com açúcar e com afeto, chegamos ao hospital por volta de 19hrs, fomos para o quarto e o intervalo começou a espaçar, 3 min, 4 min...sozinhos no quarto, eu e Gilson (e as comidas que o Gilson saiu carregando de casa) fomos adentrando no “Lugar (espaço intensivo do afecto e da absorção) do Parto”.

Partolândia = tornar-se uma com a «dor»
Nosso quarto foi se transformando em um campo aberto para a dimensão que aquela circunstância nos evocava: eu já estava completamente concentrada em minha respiração, minha inseparável e confidente parceira nessa jornada...a luz do mundo diminuiu de um modo repentino em meu campo de visão e tudo parecia estar em penumbra, as pessoas-sombra, as vozes-sombra: tudo em um plano de fundo numa superfície ilimitada de névoa. Minha respiração. Inspirava e expirava com sons, vogais e outros ruídos-música e junto das contrações, as contrações de Marta Graham em pé e no banquinho de parto azul...
Outra surpresa: porque sou bailarina e do movimento, sempre imaginei-me em meu trabalho de parto em puro movimento, na bola, caminhando, alternando posições agachadas dentre outras. Qual o quê? Queria ficar quieta, olhava pra bola e não tinha a menor vontade de estar nela, caminhar muito menos, queria mesmo ficar quieta fazendo sim as contrações da Marta Graham que muito me aliviavam e me acolhiam no redondo do enrolamento que eu precisava. Ouvindo minha respiração me entregava de forma plena e absorta neste ato de abraçar meu filhote que estava a caminho. Estava tão concentrada na respiração que o sentimento que me recordo ter foi de estar em uma intimidade plena com o instante, me senti uma com a dor e ao me sentir “uma” com ela é como se a dor desaparecesse já que não mais existiu a dicotomia, Juliana e dor e sim uma coisa só, sem nome, sem passado ou futuro mas profundamente instalado no presente resultante da fusão, eu, dor e você, Kauê! Que delícia...que beleza!
Ia pro banquinho, ficava em pé, mudava de lugar, inspirava, expirava, ouvia murmúrios de quando faziam os serviços de quarto do hospital, entrava alguém...ficamos eu e Gilson sozinhos das 19hrs às 22 quando nasceu o outro bebê do quarto quase ao lado e veio a Kelly primeiro e o Gilson pôde descansar um pouco. O Gilson deu de comer pra Kelly que estava faminta vinda de outro trabalho. Enxerguei ela entrando, achei gostoso vê-la e sentir que era mais uma companheira que me nutria de afeto e força. Mas era quase um vulto. Tudo era quase um vulto, em neblina. Só conseguia pensar em respirar e no Kauê, esse ser tão amado e desconhecido que logo chegaria pra nos abraçarmos. Lembro-me de ter ficado no banquinho por muito tempo, em contração, as da M. Graham enquanto expirava e ajudava com as mãos na lombar. A Kelly fez uma massagem empurrando meu sacro pra baixo na direção do movimento que me aliviava. Sentia alívio e paz.
O Gilson veio de novo quando a Kelly nos sugeriu de experimentarmos o chuveiro, a ducha.
Fomos e que desbunde! Foi maravilhoso, ficamos talvez uns 30 ou 40min. As contrações se esparsaram e ficaram menos intensas de “dor”. Coloco dor entre aspas pois entendo que o que sentimos no parto e que é desconfortável, dolorido seria melhor que inventássemos outro nome pois não podemos alinhar e associar ao mesmo nome daquilo quando machucamos, fraturamos, queimamos ou quando algo ou alguém nos fere. O parto nos traz uma sensação forte e que é desprazeroso e desconfortante muitas vezes e que nos prostra, nos deixa cansada, nos impulsiona, nos alerta, nos concentra, nos chama para o essencial: e isso não tem nome não deve ser jogado no mesmo saco daquilo que chamamos “dor” pois não é a mesma coisa. Relaxei bastante e me revigorei de energias para o porvir. Por volta de umas 23hrs, a Dra. Silvia entrou no banheiro, mediu minha dilatação e perguntou: “ - Ju, quanto você acha que está de dilatação?” Pensei uns 8cm. Mas chutei baixo pra não me decepcionar: “- Uns 7.” E ela respondeu com um sorriso pleno: “Ju, você está com 9cm!”
Que beleza, pensei e dei um sorriso. Vamos que vamos! Lembro-me que elas saíram da sala, deveria ser umas 00:00hrs ou 01h da manhã quando eu estava de pé, nas contrações e alternando com o banquinho e o Gilson me tirou pra dançar. Havia dito pra ele que queria dançar no meu trabalho de parto (mas nem estava lembrando). Aceitei e em silêncio dançamos com rosto grudado, respirei tranquila e quando vi, pumba! Lá vem contração e da forte! Fui me agachando encostada na parede e quando cheguei lá embaixo no chão vertendo a bacia pra frente um jato com muita pressão sai de dentro de mim indo direto na barriga do Gilson que estava agachado à minha frente: era a bolsa! Começamos a rir , depois do susto, é a bolsa! O Gilson me disse: “ - Depois que dançamos, ele se sentiu seguro pra sair de vez e anunciou a chegada...”. As duas (Silvia e Kelly) estavam lá fora no computador quando o Gilson foi contar que havia estourado a bolsa. Elas vieram e ficaram por ali. Passei mais uma hora com o mesmo tipo de contração e intensidade quando a Silvia me sugeriu fazer movimentos com a bacia apoiada na barra. Não tinha muita vontade porque sentia que aquele tipo de movimento induzia as contrações e eu precisava polpar energias porque estava esgotada. Pensei: “ - Mais dor em menos tempo? Não...Prefiro esticar o tempo de trabalho e atenuar a dor, ter energia.” Mas mesmo assim tentei e foi exato, a contração veio com tudo e mais um pouco e não quis continuar aquela movimentação e disse: “- Não aguento mais.” Daí a Dra Silvia me sugeriu que fosse pra cama. Aceitei na hora e fui: sentei-me de um jeito que deixasse a báscula de minha bacia livre para me movimentar com fluidez. Depois disso, só lembro que chegaram as contrações de expulsão e concentrada na respiração segui. Veio uma contração forte que me doeu a vagina e fez um “cleq”. Se me lembo bem, foi a primeira vez que pronunciei: “Ai, está doendo.”



E logo passou pois perguntei o que havia acontecido e ela me respondeu: “ - É a cabeçinha!” e eu dengosa que só: “ Ahhh a cabeçiiinhaaaa!” sorrindo.  Daí passaram-se uns minutos e a Silvia me disse: “Ju, faz um pouquinho de força, se quiser.” Aí logo na próxima contração ajudei um pouco e pronto, estava lá meu mas novo amor, no meu colo...! Olhei pra ele e vi um furinho no queixo, meu Deus que lindeza e esse furinho o queixo?! E conforme desejei e planejei cantei pra ele vaŕias vezes seguidas até me tirarem depois de uma meia hora ou 20m olhando em seus olhos:
“ Kauê, Kauá
meu brotinho de jasmim vai na mamãe mamar...
Kauê, Kauá
meu raio de sol nascente vai se deleitar!”




Viver pra isso.
Que gratidão eu sinto por a vida ter me dado este presente: tudo exatamente como foi uma afirmação plena de amor, sentido e vida. Que muitas mulheres possam e continuem a parir, a ouvir a natureza nelas pulsando de amor e vontade de se criar!
Obrigada vida, Buda, Deus, Jesus _/\_
Obrigada Gilson, meu amor companheiro.
Obrigada equipe generosa e terna: Silvia e Kelly. (Ana Paula no “antes-aquiagora”)

Nascimento de Kauê Penna Beck
27 de Dezembro de 2013 às 03:05 da manhã. (Hospital MadreCor)
Mãe: Juliana Penna

Pai: Gilson Jappe Beck

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